quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sobre gênios e poemas

Não só do criador vem a genialidade, mas também daquele que a percebe e, acertadamente, presenteia...

Poesia do meio-dia: "esta é do Pessoa, desvendando a superioridade não do sonho sobre a realidade, mas do sonhador sobre os demais."


Poesia da meia-noite: Música "Poem without words". Se um poema não tivesse palavras, seria mais ou menos assim... *


* Fotos tiradas por mim em algumas viagens de 2011.
* Presentes recebidos no dia 15 de setembro de 2011.
* O primeiro video foi feito pelo Gabriel.

Gabrielice




"Naquela semana não se haviam ainda encontrado. Ela era professora particular, com seus horários sempre cambiantes. Ele, embora não se houvesse já convertido em um misantropo, descoberto um prazer inigualável na solidão, em privar consigo, perdera, digamos, a sua predisposição ao encontro dos amigos. (A predisposição apenas, que a disposição ainda se podia encontrar, fosse muito o incentivo).

Chegado à escola, recebeu mais um presente desses com que se brindam os recém-independentes, um faqueiro de vinte e quatro peças. Achou divertido recebê-las tantas; já era a terceira vez que lhas davam. 

Mas o gosto da solidão acompanha-se, parece, por um redobrar do valor dado ao compartilhamento com as companhias conservadas fundamentais. Pensou telefonar-lhe. Fê-lo. Não atendeu. Esperado o tempo passado o qual normalmente se desincumbia a moça, tornou a telefonar-lhe. Não atendeu. Resolveu então, expediente confortável e  moderno, e ainda animado pelo espírito do compartilhamento, e pelo da troça, enviar-lhe sms:

Dona Moça, vou-lhe dar uma colher de chá.

A moça, quando mais tarde viu a mensagem, enfureceu-se, pareceu-lhe sórdida: Como pode ser que me ponham em dúvida o procedimento?! Acaso não sabe ele que se não atendo o telefone é das muitas aulas que tenho sempre de dar?! Embora tal não fosse o caso, naquele instante...

Sem pensar duas vezes telefonou-lhe, mobilizada, e reduziu-o a cinzas, tantos e tão nervosos foram os impropérios que lhe dirigiu. 

Nelson disse um dia que a mulher gosta de apanhar; nunca disse, contudo, que o homem goste de bater. É que a mulher sabe por quê apanha, embora o homem bata em nome não se sabe de quê."*

* Postado por Gabriel no Cegos em 13 de outubro de 2011:

Bs As

"Me resulta complicado escribir sobre mi vida, porque no sé cuánto recuerdo y cuánto es producto de mi imaginación; la estricta verdad puede ser tediosa y por eso, sin darme ni cuenta, la cambio o la exagero, pero me he propuesto corregir ese defecto y mentir lo menos posible en el futuro. [...] Mi memoria se mueve en círculos, espirales y saltos de trapecista." Isabel Allende - El cuaderno de Maya, p. 14 

Buenos Aires, 22 de outubro de 2011 - Señor Tango

Tempos modernos


"Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir..." - Lulu Santos

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Fazedor de chuva


"I wonder what it's like to be the rainmaker
I wonder what it's like to know that I made the rain
I'd store it in boxes with little yellow tags on everyone
and you can come and see them when I'm...done, when I'm done" - Matchbox Twenty 


*Rio, março de 2010.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A menina e o livro


"Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos. Veio a ter um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de algum livrinho, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima com paisagem de Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como data natalícia e saudade.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes eram a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Bom, mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do dia seguinte ia se repetir com o coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer está precisando que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você não veio, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se formando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não entender. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para ela não era essa descoberta. Devia ser a descoberta da filha que tinha. Com certo horror nos espiava: a potência de perversidade de sua filha desconhecida, e a menina em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar agora mesmo As reinações de Narizinho. E para mim disse tudo o que eu jamais poderia aspirar ouvir. "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse é tudo o que uma pessoa, pequena ou grande, pode querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração estarrecido, pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante." *

* A descoberta do mundo, de Clarice Lispector. Crônica: Tortura e Glória, p. 27.



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

EJC


"O importante é a rosa!"


XXVII EJC Santo Antônio - Encontro de Jovens com Cristo
Nunca estive tão perto de Deus!