quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Gabrielice




"Naquela semana não se haviam ainda encontrado. Ela era professora particular, com seus horários sempre cambiantes. Ele, embora não se houvesse já convertido em um misantropo, descoberto um prazer inigualável na solidão, em privar consigo, perdera, digamos, a sua predisposição ao encontro dos amigos. (A predisposição apenas, que a disposição ainda se podia encontrar, fosse muito o incentivo).

Chegado à escola, recebeu mais um presente desses com que se brindam os recém-independentes, um faqueiro de vinte e quatro peças. Achou divertido recebê-las tantas; já era a terceira vez que lhas davam. 

Mas o gosto da solidão acompanha-se, parece, por um redobrar do valor dado ao compartilhamento com as companhias conservadas fundamentais. Pensou telefonar-lhe. Fê-lo. Não atendeu. Esperado o tempo passado o qual normalmente se desincumbia a moça, tornou a telefonar-lhe. Não atendeu. Resolveu então, expediente confortável e  moderno, e ainda animado pelo espírito do compartilhamento, e pelo da troça, enviar-lhe sms:

Dona Moça, vou-lhe dar uma colher de chá.

A moça, quando mais tarde viu a mensagem, enfureceu-se, pareceu-lhe sórdida: Como pode ser que me ponham em dúvida o procedimento?! Acaso não sabe ele que se não atendo o telefone é das muitas aulas que tenho sempre de dar?! Embora tal não fosse o caso, naquele instante...

Sem pensar duas vezes telefonou-lhe, mobilizada, e reduziu-o a cinzas, tantos e tão nervosos foram os impropérios que lhe dirigiu. 

Nelson disse um dia que a mulher gosta de apanhar; nunca disse, contudo, que o homem goste de bater. É que a mulher sabe por quê apanha, embora o homem bata em nome não se sabe de quê."*

* Postado por Gabriel no Cegos em 13 de outubro de 2011:

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