quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Carta do Envelope Azul


E foi bem aqui da naus à deriva que num dia chuvoso de dezembro recebi as primeiras valiosas pílulas de nada... Compreender as “várias variáveis dos intertextos” me custou algumas horas de imaginação, e ainda assim o tudo que consegui entender sei que só eu entendo, dado que entender é pessoal.  O escritor não se encontrava tão perto e a leitora partiria em alguns dias, bem à tempo para o desencontro. “Encasmurrado” entre o mar e o que havia do outro lado da janela, o escritor se sentia cada vez mais perto de si, embora longe estivesse. Preferia a madrugada, a cerveja, saias escocesas, tatuagens, Engenheiros, era de leão. Prometeu “My blueberry nights”, músicas no violão, histórias da mãe que já não mais estava. E falou do Pessoa, do Machado, do Antunes, disse que era burocrata, mas estudava as “Letras” por opção. Usava expressões em inglês, em espanhol e em francês, mas tinha largado o alemão. Era viciado em chá-mate. Ia ao Rio para um show, depois para Buenos Aires, então voltava pra São Vicente, chegava em Belo Horizonte, tirava férias e pra Buenos ia novamente em Fevereiro. Fez lista de namoradas, enviou duas músicas suas, tocadas no violão. Não gosta de vinho, nem de “japa” e nem de jazz. Escreveu sobre a solidão. Usava óculos e barba. “Cabelos longos não usa mais”, como os do Gessinger, cujo livro se deu de presente de Natal. E sobre o matrimônio, não lhe agradava a ideia do “circo”, embora acreditasse na “União”, onde, por sinal, morava. Fez um convite para o “Dreams” do Cranberries e falou com muito carinho da “Junim” e da “Pulinha”. E quanto mais a leitora o lia, mais curiosa permanecia. Leu sobre o enlace dos pais, sobre a ida na padaria, sobre “chovendo por dentro, impossível por fora”, sobre os “desamantes latinos”, sobre “Mea Culpa” e o “Apostólico Passo”, sobre a enquete do “Genérico”: na marcha-ré, tantas palavras até março! O escritor não fuma, não cozinha, mas quer aprender (a cozinhar). Era Gary May, em 1997: “Just a matter of time”. A leitora então riu horrores do balzaco doido, que se queria feixe, mandava linha; se queria linha, mandava ponto. Era um exército de um homem só, no difícil exercício de viver em paz! Pediu à leitora um texto, cujas linhas tem em mãos. Era pra versar sobre a terra de Rachel de Queiroz, de Clóvis de Beviláqua e de José de Alencar, lá na pontinha do mapa, perto de onde Lula veio num pau-de-arara, terra da luz, terra do queijo qualho, das mulheres rendeiras, da maior rapadura do mundo, da cachaça ypióca, do humor nordestino, da carne de sol, da farinha, das casas de taipa, da macaxeira, das plantações de côco-anão, dos cajueiros, das redes nas varandas, das praias paradisíacas, das areias sem fim... 
Porém, a leitora, quando faz as malas, agora não escreve mais: sente, vê, experimenta. E lê. E leu um “bom selecionador do que merece reciclagem e incorporação.” E a leitora, em alguns momentos da viagem verdadeira, achou que estivesse em outra, parecida com aquelas estórias que, de tão interessantes, fingimos não ter chegado ainda ao seu final. O marcador fica em qualquer página, que quando algo lhe causa suspiros é porque merece ser relido. Releu várias vezes o Gabriel e resolveu que as pré-primeiras impressões mereciam mais linhas. Travar conhecimento, agora, valia mais do que uma mera noite de autógrafos... *
* Belo Horizonte, 09 de janeiro de 2010


3 comentários:

  1. Aeeeee! Perdeu muito quem não recebeu MISSivas assim! Cada bobagem de que ensaiava me arrepender tão logo grafada, tão boba me parecia, reabilito se me valeram ser o destinatário de algo assim.

    "Destinatário"! Curiosa palavra! E que remetente sou? Sem bandeira, mas às vezes acho que com mais fronteiras pra defender do que convinha! Talvez melhor abandoná-las a alguma invasão. Isso me têm dito e por isso me têm espoliado. Mas não você!

    Quer saber? A membrana mal se presta a fronteira. Mas é seletiva! É seletiva! E serve a benvir os bons! E só saem os que querem. Cada um tem seu tempo. Que tempo é também tão... Pessoal!? Pessoal?!

    "Não larga da minha mão.
    Eu sou o que vocês são..."

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  2. Um dia ainda escrevo sobre o rapazito (não sei se tão jussarês)! Mas, já que não ando permutando, né?! melhor mesmo é fazer do silêncio ouro -que é mesmo o que ele vale quando há tiroteio nada epistolar - e guardá-lo em meu paletó! Belas palavras! Belo texto! Belas gabrielices!
    [Do primeiro andar da faculdade deixo este! Descendo da Montanha, subo, pois há aula! A magia fica, que é de vocês!

    Beijocas!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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